terça-feira, 29 de junho de 2010

Da teoria das relações

Psicólogos, antropólogos, sociólogos e todos os outros “ólogos” que constam no cadastro internacional de profissões, se  ocuparam ao longo da história da humanidade em discutir teorias que expliquem o fim das relações de amor, aquele momento aonde o sim sorrateiramente vai virando não.

Afeito que sou em formular teorias com o mesmo rigor cientifico daquelas que mostram que mulheres compram mais sapatos porque fazem as unhas dos pés e homens compram menos sapatos porque deixam a unha do dedão crescer, também formulei o meu pensamento sobre esse momento delicado. Acho que o problema está no pé.

Se numa noite de frio, os parceiros não se esforçam para se aquecer trocando carinhos pelo pé, é uma mostra que estão dançando sobre os destroços já faz um tempo. Porque quando o pé se separa em noites de frio, é sinal que a cabeça, o peito, o coração, a mão e o corpo todo já se separou faz muito tempo.

Não que esteja supervalorizando essa parte tão desprestigiada da anatomia humana, que só é lembrada quando um calo resolve aparecer ou uma unha encravada mostrar o seu poder de fúria. Não que eu seja um exímio representante na arte de se doar ao outro. Meus amigos dizem que sou frio e também acho que nunca faria versos como os de João Gilberto, que já falou “que há mais peixinhos a nadar no mar do que beijinhos que darei na sua boca”. Meu terreno não é mesmo o do “amor eterno, amor verdadeiro”. Mas tenho aprendido em muita pós-graduação feita em mesa de bar, a interpretar os sinais que o corpo teima em mostrar, mesmo quando não queremos ver.



domingo, 27 de junho de 2010

Da vida que eu queria ter

Eu queria ter nascido mais bem diagramado, mas não deu. Acho que tenho um nariz que não passaria em nenhuma inspeção de controle de qualidade e um pé digno dos melhores estivadores. Queria ter nascido também com uma voz mais bonita, daquela que fica bem até quando você fala uma palavra horrorosa como Jabulani.

Queria, ainda, ter um índice de gordura corporal igual a de corredores de 100 metros rasos na luta por medalha de ouro na final das olimpíadas, mas também não deu. A combinação de doses cavalares de cerveja e petiscos em escala industrial me impede de ter um corpo de modelo que sai na capa da revista Mens Health.

E também não deu pra muita coisa. Também não nasci poeta, cantor, ator, bem como não aprendi a tocar um instrumento, dirigir e nem andar de bicicleta. Nasci um cara simples e descoordenado. Daquele que usa óculos, jeans e camisa pólo pra não dá muito trabalho na hora de escolher a roupa. Assim como mantenho o mesmo corte de cabelo há quase duas décadas.

E ai, é onde acho que está a grande graça. Nessa sociedade onde todo mundo quer ser estrela, quer ser BBB, quer quinze minutos de fama, faltam pessoas simples, que andem por ai prestando atenção em cores que não sabem o nome ou que não estejam em busca daquilo que foge das mãos e às vezes não conseguimos alcançar, assim como as palavras nos fogem quando escrevemos um texto. Faltam pessoas que sejam especiais dentro do seu silêncio que fala ou dentro de sua timidez exuberante.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Se você quiser eu posso tentar, mas eu não sei dançar pra te acompanhar

Depois de muitas experiências empíricas, tenho construído uma teoria que mostra que o número de pessoas que você pega na noite é proporcional a sua capacidade de dançar. Dança bem, pega todo mundo. Não dança, volta pra casa sozinho com cara de quem vai tomar mais duas cervejas e ouvir Alcione cantando ¨A Loba” para a vontade de dar aquela ligação que só os bêbados dão ocorrer mais rapidamente.

E no quesito dança eu não passei da educação infantil, ainda não aprendi a brincar de massinha. Não sei se é o meu corpo de estrutura esquizofrênica, onde mora uma cabeça latino americana e uma cintura escandinava que me torna um inapto para aprender a dançar. Mas é fato que sou um vexame. As poucas tentativas foram frustradas. Vi olhares de soslaio, alguns sorrisos entremeados por gargalhadas e uma ou duas pretensas presas que se afastaram na velocidade de um carro de fórmula de 1.

A minha matemática da dança não consegue sincronizar dois pra lá dois pra cá. Comigo é dois pra lá e um pra cá, sempre. O que sempre me faz ouvir aquela frasezinha vagabunda: “você dança de um jeito diferente”. O problema é que eu não danço “de jeito diferente”. O problema é que eu não sei dançar!

Eu sei outras coisas. Mas as coisas que sei demoram muito tempo para serem mostradas. Eu conheço uns dois conceitos de Gramsci, conheço um pouco da vida de Bourdier, estou mantendo uma relação super próxima com Paulo Freire, sei falar um pouco sobre o conceito de fetiche e mercadoria em Marx. Mas para que serve isso, se eu não sei dançar?

Se no meio da pista o cidadão tentar discutir o conceito de estado ampliado em Gramsci, é capaz da pretensa presa perguntar se a pessoa esqueceu de tomar o tarja preta antes de sair de casa. Agora...se você decorou a última coreografia da Lady Gaga, é capaz de você ser alçado ao olimpo dos deuses da pista de dança, aqueles para os quais sobram presas e falta um pouco de simancol.

Ode à solidão

Andar em caravana é algo que não faz parte do meu cotidiano. É muita gente falando, muito ego pra gerenciar, muita gente querendo falar ao mesmo tempo e pouca gente querendo ouvir. Estar só, não é ficar só. É, partindo de você, estar com todos. E isto são poucas as pessoas que conseguem entender.

Nos últimos tempos venho percebendo o quanto a minha opção de andar por ai trocando passos com a solidão incomoda algumas pessoas. É como se gostar de ficar só fosse um desvio de caráter incurável, digno de ser comparado com os crimes da motosserra. Gosto de caminhar, estudar, assistir filme, tomar cerveja, geralmente sozinho. Me sinto bem fazendo parte do clube “do eu sozinho”. E é só isso...

Sem pausa...

Poucas pessoas admitem os problemas que tem com a língua portuguesa. A falta de traquejo é colocada pra debaixo do tapete por pura arrogância ignorante ou por achar que o problema de falar “probrema” é meu e ninguém tasca. Desde que me entendo por gente, e isso faz muito tempo, tenho uma relação conflituosa com as vírgulas. Não que as ache desinteressantes ou esteticamente incompatíveis com o meu padrão de beleza para sinais ortográficos. Prefiro, claro, o equilíbrio do trema e do dois pontos, mas as paixões ficarão para um outro post.
Meu problema com as vírgulas nascem na hora de colocá-las. Respirar, pausar e atirar uma vírgula quando ela pede ou quando o texto ou quando tudo pede e eu não consigo ver, ainda me é uma tarefa difícil.
Acho engraçado quando uma pessoa diz que No meu texto está faltando vírgula. Próxima vez vou responder que o Saramago não usava ponto e bombava na lista dos mais vendidos. Mas o Saramago é o Saramago, e isso não pede vírgula, mas ponto.
As vírgulas são usadas corriqueiramente e ai fica mais fácil de errar. Um deslize aqui, outro deslize ali, e muitos casamentos acabam. Assim é também com as vírgulas. Falta uma vírgula aqui, outra vírgula ali, e pronto, não tem regra da ABNT que salve a sua tese de doutorado, dissertação de mestrado ou até um textinho pro blog.

Do tempo que eu era criança ll



O papel não tem cheiro. Mas se tivesse, gostaria que hoje fosse de pamonha, canjica, milho cozido, entre outras delícias das festas juninas e que tanto marcaram a minha infância. Nascido numa cidade que se orgulha de realizar o Maior São João do Mundo, com uma mãe festeira e que faz aniversário na véspera de São João, me recordo muito de como começava o dia 23 de junho na minha infância. Era de festa, mas na minha casa tínhamos era muito trabalho. Era descascar o milho, moer, raspar, misturar com coco, com leite, com canela, era uma profusão de cheiros e sabores, que nós, as crianças, só esperávamos com ansiedade a hora de provar. Era um ritmo de trabalho frenético, embalado por músicas juninas que ainda hoje me trazem muitas recordações.

Durante todo o dia, os “meninos” eram responsáveis por realizar as pequenas tarefas. Era ir à mercearia, na casa de um vizinho, chamar alguém para resolver um pequeno problema. Hoje vejo que era mais trabalho que festa. Mas fazíamos tudo com muita alegria, já que na minha casa a noite de são João era a mais esperada do ano. Para essa noite a casa ficava arrumada, cortinas novas eram compradas, meu pai pintava a casa, nós esperávamos com muita ansiedade a noite de 23 de junho. Nos fios que ajudam a construir a minha memória, lembro de como era bonito ver os balões no céu e, de longe, as luzes que iluminavam o Parque do Povo, local onde se realiza a “maior festa de são João do mundo”, que pela pouca idade eu ainda não freqüentava à noite.

No final da tarde era a hora de preparar a roupa nova, esperar a família toda ficar reunida e acender a fogueira. Gostava muito de ver a rua toda iluminada pela chamas das fogueiras e ficar brincando ao seu redor, mesmo sem saber que estava desafiando o perigo. Lembro, ainda, que as fogueiras deixavam um cheiro forte na roupa e os olhos irritados, o que fazia muita criança chorar. Quando dava 10 horas da noite era a hora de jantar, mas em geral não comia muito por já ter beslicado o dia todo.

E durante toda a noite, a rua ficava cheia, as pessoas muito animadas. Em cada casa uma música, em cada casa uma festa, e assim a festa seguia por toda madrugada. Alguns dizem que é o no período de São João que o nordestino é mais nordestino. Concordo com quem formulou a frase. Só sabe a importância da festa junina quem mora no Nordeste, queM aprendeu esperar o tempo de chuva, o tempo do milho, o tempo da bonança.

* Texto apresentado à professora doutora Iduina Moltalverne, da disciplina Memória e Narrativa, do curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal Fluminense

Do tempo que eu era criança l




Acho que é quase impossível passar pela vida sem levar na memória lembranças de um professor que marca a nossa história. Em geral, são os professores das séries iniciais os que mais nos marcam. Não sei que caminho teria trilhado se o meu caminho não tivesse cruzado com o da professora Maria do Carmo na segunda série. Estudei na Escola Roberto Simonsen, que fazia parte do sistema S. Escola rígida, que respeitava as datas cívicas e possuía uma excelente qualidade de ensino. Passei quatros anos de muito aprendizado e ricas experiências nessa escola que nunca esqueci.

Assim como hoje, gostava muito de dormir, e o meu desempenho não foi tão brilhante. Mas a seriedade e a brabeza da professora Maria do Carmo me marcaram profundamente. Lembro que quando a víamos de longe, com aqueles sapatos que, para nós, faziam um barulho aterrorizante, todos ficávamos comportados, verdadeiros anjos na terra. O tom de voz alto da professora era capaz de calar até nossos pensamentos. Mas ela também era carinhosa, preocupada com o nosso desempenho. Sempre conversava conosco na busca de saber o que estava acontecendo, e gostava ainda do temido encontro com os nossos pais. Esse encontro sempre acontecia quando algo não ia muito bem. A professora não era o que podemos classificar como uma pessoa doce, mas era muito humana.

Reencontrei com a professora Maria do Carmo na quarta série e nessa época me tornei uma espécie de braço direito. Como tirava notas muito boas e estava sempre a par dos assuntos que seriam discutidos, ela sempre me convocava para falar primeiro, sempre que precisava de algo recorria a mim, eu me orgulhava muito, mas uma parte da turma não olhava isso com bons olhos. Lembro que nessa época, como passei a estudar a tarde, meu desempenho era muito melhor que na segunda série do período matutino. Ao final do ano, a professora reconheceu o meu empenho e ainda me presenteou com o prêmio de melhor aluno que a escola oferecia todos os anos. Muito do meu avanço se deu pela forma seria como a professora Maria do Carmo conduzia o seu trabalho e do exemplo que ela era para seus alunos, dentro de sua brabeza afetuosa.

* Texto apresentado à professora doutora Iduina Moltalverne, da disciplina Memória e Narrativa, do curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal Fluminense